Não Fujamos da Verdade




Por que sentimos medo? Não sejamos ridículos ao ponto de dizer que não sentimos medo. Qualquer pessoa sente medo, digo, QUALQUER, em certos ambientes e condições.
Na época dos nossos pais ou avós, andar sozinho à noite em lugares isolados não era motivo de espanto ou preocupação. Não havia a preocupação que hoje sentimos diariamente e perturba nosso convívio. Mas então, o que houve?
Por que não fazemos essa pergunta a nós mesmos? Por que não olhamos para dentro de nós e notamos a nossa profunda falta de civilidade e ética? Ora! Um simples transeunte torna-se para nós o nosso pior pesadelo, nosso mortal inimigo, a nossa aberração... Hoje, parece  até que aquele velho ditado racista “um negro andando é suspeito, correndo, é bandido” está mais vivo do que nunca, mas com uma nova cara: não apenas o negro, mas todos, absolutamente todos, ricos, pobres, brancos e amarelos, homens e mulheres... todos correndo de nosso pior inimigo.
Não sejamos imbecis de dizer que o nosso medo não está escondido nas gavetas emperradas do judiciário, na ociosidade dos nossos queridos representantes políticos da máquina do Estado. Está estampado na cara das crianças que nasceram até poucos anos e não param de gritar aos nossos ouvidos a intimação que morremos de medo em ouvi-la: “Deveu! Deveu!”. Em outros escalões, o bandido inteligente usa um português mais “elegante” e que não cessa de sair nas capas de jornais.
O problema se mostra à nossa frente, está dançando aos nossos olhos, mas, alienados e encabrestados, não vemos nada. E depois reclamam que o seu filhinho morreu no leito de hospital! Se nos sentíssemos realmente envergonhados e indignados pelo que ocorre com nossos filhos, pais, irmãos e amigos, não voltaríamos a cometer o mesmo erro todo ano e estaríamos livres deste medo que nos perturba e tira nosso sono e nossa paz.
O medo que sentimos nada mais é do que o reflexo de uma sociedade mal organizada, onde a violência a cada dia se torna mais comum, convivendo como se fosse de casa em uma harmonia quase que agradável, felizmente “quase”.
Talvez nosso psicológico já esteja tão acostumado com esse convívio que não sentimos mais aquela decepção a cada vez que estoura um novo escândalo em Brasília ou dentro de nossa própria casa. “Homossexual é espancado em praça pública por policiais”; “menina de 8 anos é estuprada pelo próprio pai”; “estudante é agredido em Universidade pública por ser negro”; “mulher é espancada pelo marido e morre”... Remorsos? Decepção? Nostalgia? Quais nada. Isso é normal. Nota do autor: não é NORMAL que um idoso seja maltratado pelo próprio filho ou que um jovem negro e pobre seja agredido por policiais porque aparentou ser... ladrão! Não é e nunca será normal, não entanto, é comum. É comum vermos crianças morrendo de asma ou diarréia em filas de hospitais. Não se pode banalizar uma injustiça cometida contra o ser humano de maneira covarde a ponto de chamá-la de N-O-R-M-A-L.
Abrir bem os olhos para as maldades que acontecem em nosso país em todos os degraus da sociedade é a melhor maneira de dar um rumo melhor ao nosso Estado (“que não é nação”), embora as pessoas ainda prefiram ficar de olhos bem fechados, de cabeça enfiada no chão a se deparar com o incrível monstro do capitalismo (afinal de contas, sua base fundamental é a exploração, e advinha de quem?). A grande maioria ainda quer se manter sob uma casca de “proteção”, só para livrar sua cara da desgraça e esquecer que o vizinho ao lado passa fome, que o filho do amigo está correndo risco de futuro ou que lá fora, é, na sarjeta mesmo, existem mais de 14 milhões de famintos, quase mortos de fome que não tem um prato de comida na mesa (a propósito, na sarjeta tem mesa?).
Se o vizinho passa fome ao lado, não posso dormir sossegado, nem mesmo deitar a cabeça no travesseiro e sonhar com os anjinhos, simplesmente porque eles estão passando fome, na SARJETA.
Vamos assumir a realidade, vamos assumir que sentimos medo de nossa própria imagem refletida no espelho, de nossa voz gritando “Abaixo o capitalismo, viva à Democracia!!!”, de nossos olhos confiantes no futuro, de nosso corpo estendido no chão. Ora! É mais útil lutar por um sol que brilhe para todos os inválidos que vagueiam neste submundo e ter o corpo estendido no chão do que viver cem anos e ter a alma subalterna, condenada ao chicote do silêncio e ter o corpo queimado pelas chamas do esquecimento e da covardia!
Amigo leitor, você pode até não concordar comigo, mas deve admitir que hoje o mundo grita desesperadamente por quem o socorra, e fingir não escutar esse gemido é o maior ato de covardia que se pode cometer. Ou então não se fala mais em justiça e vive-se eternamente na ignorância e na covardia. Então, esquece-se toda a violência cometida contra nossos filhos, amigos e irmãos. Esquece-se também a correntinha de ouro que o ladrãozinho favelado roubou e nosso futuro está enterrado. Nota minha: “ladrãozinho favelado” nada mais é do que um grande outdoor colocado na porta de cada estação para esconder a grande sujeira que existe no Senado Federal (não só) e livrar a cara de ladrões engravatados (que, aliás, é uma praga que precisa ser eliminada). Quem me garante que o “ladrãoinho favelado” não é vítima, ao invés de perigo para a paz social?
Acho que não devo mais forçar os ouvidos do amigo leitor, abusar de sua boa paciência que, aliás, não temos. É melhor parar nestas linhas e fechar este caderno e descer à procura da bala que me espera.
Autor: Poesia da Fome          

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